Reportagem
O “paredão” da saúde mental
Por trás dos principais reality shows do Brasil, como fica o psicológico do participante ao lidar com a constante competição e confinamento? E por que há um interesse tão grande da população em programas nesse estilo?
Quando se pensa na forma reality de entretenimento e no movimento financeiro que isso representa é impossível dissociar da imagem de John de Mol, o pai do entretenimento “real”. John, criador da produtora holandesa de televisão Endemol, é o fundador dos programas de confinamento e de competição musical com maior audiência e adesão ao redor do mundo, o Big Brother e o The Voice, respectivamente. Mesmo sendo um dos magnatas mais bem sucedidos no cenário internacional, o modelo de seus programas antecedem seu boom midiático.
Em pauta desde 1973, com o “An American Family”, os reality shows tomam cada vez mais espaço na vida cotidiana dos telespectadores, já que não ficam restritos apenas às plataformas nas quais são exibidos. Eles se expandem para aplicativos pagos “all-time”. Essa experiência de não só assistir ao programa e acompanhar em tempo real, mas interagir e torcer por um participante pode ser explicada por alguns especialistas.
De acordo com Cristiane Lima, formada em Psicologia Organizacional e Saúde, 43, o público tende a se identificar com um participante, principalmente, “com aquele visto como injustiçado e mais perseguido” e isso é o que gera um sentimento de misericórdia e um senso de justiça, que faz com que o público não só vote para o deixar mais tempo em jogo, mas permaneça em sua torcida até a vitória do reality.
Ela também comenta que cada pessoa tem uma reação diferente diante um confinamento, devido ao seu estado psíquico e que geralmente, a partir de sete dias, o comportamento do indivíduo confinado começa a mudar. A pessoa pode “surtar”, ou seja, ficar mais nervosa e até mesmo mais agressiva. Neste período, os indivíduos entram em um estado lúdico, apresentando assim um bloqueio de sua realidade e, posteriormente, saindo dela.
Normalmente, os realities não passam de noventa dias porque a partir deste período o lúdico se torna automático. Com este estágio psíquico, imerso no lúdico e desligado da realidade, a pessoa pode não voltar a ser como era antes do confinamento.
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Desta forma, o nome “reality” pode ser questionado. O lúdico surge com o desejo de viver experiências que a pessoa nunca viveu, consciente ou inconsciente, deixando a realidade de lado para criar uma bolha de realidade maximizada, na qual vale para o confinamento que o indivíduo está vivendo. Nela, o participante, muitas vezes, descobre um “eu” diferente do conhecido pelos amigos, familiares e de si próprio, visto que “todos os sentimentos ficam extremamente intensos, à flor da pele, quanto para o positivo, tanto para o negativo”.
Jean Baudrillard, sociólogo e filósofo francês que desenvolveu estudos sobre a comunicação, também discutiu o princípio de uma realidade exacerbada, ou melhor, uma hiper-realidade. A tese “Realidade e Ficção no Big Brother e no CQC: A promessa de transparência hiper-realista versus o encobrimento irônico e sedutor do real” de Felipe Polydoro, Doutor pela ECA-USP, explica que para Baudrillard, na era de simulação que vivemos, a hiper-realidade é marcada por um real simulado, ou seja, há um real carregado, mais real do que o próprio real.
“Na simulação, desaparece a diferença entre o comportamento cotidiano do ser humano ator e a encenação do personagem” explica Felipe. Assim, em um reality, se usado a teoria de Baudrillard e a explicação do autor da tese, o telespectador não sabe distinguir o que é natural do que é manipulado, desta forma, o que é real se torna uma incógnita.
fã que é fã
Fã que é fã gosta de barraco. Ou se identifica com o mocinho(a) ou com o(a) vilão(ã). O que faz com que a audiência do programa seja alta? Para o estudante Gabriel Silva, de 15 anos, os desafios representam o ponto mais emocionante dos realities. O jovem explica como programas nessa dinâmica afetam seu psicológico: “Eu costumo torcer para pessoas que sejam humildes, mas que, ao mesmo tempo, não sejam bobas, e sim jogadoras e estratégicas. Os realities conseguem mexer muito com minha emoção. Quando alguém acaba sendo eliminado eu fico muito triste. Muito triste mesmo!”.
Já o estudante Cauã Henrique, de 15 anos, diz que a identificação acontece logo de cara e que o critério “aparência” conta muito para criar um elo com a personalidade em questão. Cauã acredita que as provas e os barracos são o que mais prendem sua atenção nas telinhas, enquanto assiste, em contrapartida reconhece a existência de “manipulação” em votações e provas, mas não deixa de acompanhar e votar por seu peões favoritos, visto que é fã do reality A Fazenda, da Rede Record.
O Big Brother Brasil, da Rede Globo, em todas as suas 19 edições, constituiu pelo menos um casal por ano. Em alguns casos o relacionamento durou somente o tempo de confinamento, em outros dura até hoje. Como foi o caso de Gleici Damasceno e Wagner Ribeiro, da 18ª edição, que em meio à forte comoção nacional, tiveram um romance que durou alguns dos meses de exibição do programa somados a dois meses fora dele. Em outra ponta, Daniel Saullo e Mariana Felício, da sexta temporada, começaram a se relacionar na frente das câmeras em 2006, casaram-se e tiveram quatro filhos.
Tendo em vista a superexposição que os brothers têm, há um grande apelo por parte do público em juntar pessoas em tais programas a fim de que, indiretamente, desejos pessoais (por parte dos telespectadores) sejam atendidos. A contadora Rayanny Nunes, de 32 anos, diz que o que a prende em tais programas são os casais que surgem durante as edições. E quando se identifica com o personagem, se apega a ele ou a ela.
Realities como o De Férias com o Ex, da MTV, surgem ao encontro dessa necessidade de consumir histórias de amor. Sejam elas factíveis ou não, as narrativas apresentadas em programas como este envolvem o público, de modo que foi planejada a criação de um voltado para confinamento e relacionamento. O “DFCE” é um reality em que quem estiver “preso” em um local paradisíaco com seu ex, ou sua ex, é estimulado a trocar relações tanto com eles, quanto com quem despertar interesse na casa. O que explica a audiência. Segundo o Kantar/Ibope, o reality colocou a emissora em primeiro lugar dentro da TV paga entre o público adulto de 18 a 24 anos.
e o que os participantes pensam?
Peões, cantores, cozinheiros, dançarinos ou brothers. Centenas, no total, participam ou já participaram de algum reality show, seja de algum talento específico ou pela personalidade. Mas o que eles têm a dizer depois de toda seleção, confinamento (em alguns programas) e constante clima de disputa? Alguns dos vencedores e participantes do programa culinário mais famoso do Brasil, o Masterchef, responderam a algumas questões sobre a participação e consequências psicológicas pós-reality.
Rodrigo Massoni, 33 anos, vencedor da última temporada do Masterchef Brasil Amadores, fala sobre o que acredita ser essencial para ganhar um programa como este e ainda conquistar o público: “Acredito que meu foco e seriedade foram os fatores mais importantes no jogo. No começo a galera não curtia muito, porque estão acostumados sempre com personagens que fazem de tudo para ganhar o público. Conforme o jogo foi andando, eu acredito que perceberam que eu estava ali pra cozinhar e não pra sorrir ou fazer graça”.
Complementando o que Rodrigo disse, Michele Crispim, 28 anos, vencedora da quarta temporada do Masterchef Brasil Amadores, comenta que o público ter se identificado com ela foi uma grande surpresa. Para ela, o fato de nunca esconder suas dificuldades e não saber tudo foi essencial para causar essa identificação. Ela disse ainda que o importante é nunca desistir e aprender com cada erro. E que no final, ficou feliz com a torcida e apoio das pessoas. Michele afirmou que esse foi seu maior prêmio.
Os reality shows instigam uma característica inerente ao ser humano, uma das “raízes da cultura”, como publicado por Johan Huizinga no capítulo "Natureza e Significado do Jogo como Fenômeno Cultural", no livro "Homo Ludens", que é o jogo, explorado pela competitividade. Embora seja impossível negar a existência do jogo em todas as camadas sociais, como na justiça e relações interpessoais, como afirmou Johan, no programa, Michele avalia que não atrapalhou, embora seja indissociável. “Nunca me atrapalhou, pois para mim sempre foi muito claro que era uma competição individual. Na verdade em um programa como esse os seus maiores adversários são o tempo, a pressão e o seu próprio emocional, não os outros competidores.”
Já Izabel Alvares, 35 anos, vencedora da segunda temporada da versão amadora do Masterchef Brasil, avalia uma questão psicológica mais profunda por conta da competitividade: “Senti muita ansiedade e, sem dúvida, esse estresse me transformou. Chegou um ponto onde entendi que não adiantava tentar antecipar o que iria acontecer, ou quais seriam as provas, etc. Resolvi focar no agora e levei esse ensinamento comigo. Hoje vivo o momento.”
Sobre receber as temidas críticas dos jurados do Masterchef, Natalia Jorge, 27 anos, quinta eliminada da edição 2019 do programa, conta que um dos grandes aprendizados do programa foi lidar melhor com as críticas e “dar a cara a tapa”. Já Lorenzo Ravioli, 13 anos, vencedor da primeira (e única) edição do Masterchef Júnior Brasil, conta que sua experiência com os jurados foi tranquila, uma vez que o feedback era sempre construtivo: “A gente ficava pressionado, mas aí que tava o grande lance, quem conseguia se manter calmo e não perdia o rumo, saia na frente”, afirma o jovem cozinheiro.
“Segura o forninho” que lá vem meme!
Muitos participantes viralizam nas redes sociais e muitos ficam famosos por isso, principalmente, após as tretas, os oficiais “forninhos” geradores de memes. Independente do reality, para alguns telespectadores, o legado é este. E diante este prato #MEMEÁTICO temperado a briga e com temperatura elevada, criamos um teste no Buzzfeed com alguns dos melhores. Tá preparado (a) para saber qual meme te representa mais? Faça e descubra!